Não se fala em outra coisa a não ser esse jogo da baleia azul e sobre a série da netflix. Confesso que hesitei alguns dias antes de decidir assistir a série. Porque? Bem, acho que se ler até o final desse texto irá entender meus motivos.
Antes que leia tudo o que estou te contando sobre mim, quero que fique claro algumas coisas:
- Independente da minha graduação, ou do que acredito, tive um passado e é sobre ele que esse texto fala. Aliás, na verdade não só sobre o passado, acho que ele fala mais sobre o presente e o futuro do que o passado em si.
- E por ultimo, antes de ler o texto, anule todo pre-conceito e se permita entender os motivos do texto que irei deixar claro no final.
Para entender todo o contexto preciso voltar 27 anos atrás…
Um casal jovem, já perdendo as esperanças de terem um filho, pois a mulher tinha problemas que a impediam de engravidar. Mas para a surpresa daquele casal, recebem a noticia, estavam esperando um bebe. Já devem imaginar a alegria!
18/12/1990 nasce o tão sonhado bebê, na verdade eles não sabiam ao certo se seria menino ou menina, tinham escolhido o nome de um menino devido um sonho que a mãe teve, Moisés, esse era o nome estabelecido. Mas ao nascer, lá estava uma menina, o nome veio através de uma tia da criança, segundo a história bíblica, Moises tinha uma irmã chamada Miriã, como não era Moises, era a irmã. Eis então a história do meu nome. (como diz a minha professora Letícia, o significado do nome diz muito sobre o indivíduo, é, acho que ela tem razão).
Criança feliz, aos 2 anos de idade recebe dois irmãos de uma vez só, família simples, porém muito feliz.
aos 4 anos de idade, minha mãe percebeu que eu gostava muito de escola, levantava todos os dias de manhã colocava uma sacola nas costas e ia pra sala e dizia que era minha escola. Surge então a ideia de me matricular. No inicio foi difícil, sentia muita falta da minha mãe, mas na escola tive muito carinho das minhas professoras e logo me acostumei.
As coisas estavam indo muito bem, mas um ano depois disso, muitas coisas passaram a mudar. A partir de agora você vai entender o que fez com que uma criança feliz e inteligente se tornasse uma caixa de tristeza e com retrocesso cognitivo.
Meu pai se tornou alcoólatra, violento, e começaram aqui dias, meses e anos de muito sofrimento. Hoje, paro e fico lembrando de tudo isso como se fosse uma grande cicatriz que coloco a mão, mas não a sinto doer mais, só que não foi sempre assim, e posso adiantar pra você, doeu muito naquela época.
Prefiro não detalhar os tormentos passados por mim, meus irmãos e minha mãe, até porque são lembranças aterrorizantes e prefiro poupá-los. Mas como exemplo posso citar coisas que passamos como: TODAS as noites sem exceção de nenhuma, dos meus 5 a 16 anos, tínhamos que correr de casa por medo de sermos mortos, ficávamos na rua escondidos até as 3 ou 4 da manhã esperando que ele dormisse e assim pudéssemos voltar pra dormir também o pouco da noite que restava; por 3 vezes tive que me tornar mãe e pai dos meus irmãos entre meus 9 e 12 anos, pois devido a tudo o que passávamos minha mãe ficou muito doente e precisou ser internada, foi difícil ficar sem ela, foi difícil ter que cuidar deles, foi difícil ter que crescer antes da hora, foi difícil ter que ver eles chorar até dormir de fome porque não tinha nada pra comer em casa. Acho que até aqui já é o suficiente para que entendam o que passamos, e posso te assegurar que isso não foi nem 1/3 do que passamos.
Lembra da criança feliz, que amava ir pra escola? Ela passou a não existir mais, me tornei uma criança fechada, calada, tímida, não tinha amigos, não gostava de conversar, não desenvolvia na escola ( afinal, quem seria capaz de aprender dormindo em média 2 horas por dia? ou que criança conseguiria aprender, pensando que enquanto ela estava na escola, seu pai poderia matar sua mãe? Éh! acho que seria complicado).
Muitas outras coisas horríveis aconteceram entre os 5 e 12, a única coisa que posso dizer, é que fizeram um grande estrago naquela criança, que mais tarde se tornaria o motivo de sua primeira tentativa de suicídio.
Suicídio Miriã?
Sim! 14 anos, acredito que você consegue imaginar como estava a cabeça e o emocional daquela criança, o estrago que tudo aquilo havia feito e continuava fazendo.
Quero aqui, descrever a sensação que se sente ao ter esses pensamentos. Não queria morrer ao certo, só não aguentava mais tanto sofrimento, achava que as coisas já tinham ido longe de mais, minha família não podia continuar vivendo daquela forma, ou pelo menos eu não suportava mais presenciar o sofrimento deles daquela forma. Vi coisas pesadas de mais, ouvi coisas duras de mais, eu era pequena de mais, indefesa de mais, me sentia inútil de mais, era incapaz de tirar eles daquele sofrimento, a única saída era não ver mais aquilo.
Como fiz? Isso não vem ao caso, o que quero dizer nesse texto não é o que eu fiz e sim como me senti e principalmente como me sinto hoje.
Não obtive sucesso nessa primeira tentativa, a frustração aumentou ainda mais, o silencio aumentou ainda mais, a dor e o desespero me consumia cada dia mais. A rotina era a mesma todos os dias, acordava as 11:00 as vezes almoçava (quando tinha comida, mas se não tivesse, tava tudo bem, na escola eu comia, um dos motivos pelo qual eu não faltava aula), ia pra escola, chegávamos as 17:30 em casa, tomávamos banho, vestíamos blusas de frio, comíamos, e assim tentávamos ter uma vida normal ate as 23:00, normal até ele chegar, ai tínhamos que fugir de casa, por volta das 3:00 nos certificávamos que ele tinha dormido e assim entravamos pra dormir. Essa era a rotina. Parece fácil se tornar uma pessoa deprimida, ansiosa certo? Sim, cada dia mais, me fechava mais, não conseguia conversar com humanos, os achava ruins de mais, pra mim só existia minha mãe, meus irmãos e minha avó, ela era nosso pai, nossa mãe, nosso anjo, ela que comprava comida e remédio pra nós, ela nos protegia, me sentia segura ao lado dela, quando ela estava por perto não sentia medo, ela era minha maior fã, ela que pagou pra eu aprender tocar violão aos 13 anos, ela dizia que quando eu completasse 18 anos, me daria um carro pra levar ela pra passear. Mas ela não esperou eu completar 18 anos, o que era ruim se tornou ainda pior.
Ia fazer 17 anos quando ela se foi, o resquício de esperança que eu ainda tinha se despedaçou naquele dia. Me tornei agressiva, impulsiva, ainda mais ansiosa, ainda mais fechada, ainda mais deprimida. Lembra da criança medrosa que corria todas as noites? Eu havia me tornado em uma espécie de cópia dele, não tinha mais medo, nada mais importava, não tinha medo do que poderia acontecer comigo, por várias vezes o enfrentei, ele com facão na mão dizendo que mataria minha mãe, várias vezes disse que ele devia me matar logo, por duas vezes isso quase aconteceu. Na primeira fiquei muito machucada, eu confiei nos policiais mas eles não fizeram nada além de chama-lo para uma conversa na delegacia e pra piorar o delegado disse na minha frente que minha mãe iria perder nossa guarda e poderíamos até ser dados para outra pessoa criar (essa primeira vez aconteceu eu tinha uns 14 anos), e a outra, minha sorte foi que o facão estava cego, com toda a força, ele bateu ele em minhas costas, sentia como se nada físico poderia doer mais do que a dor que sentia na alma.
18 anos, já não conseguia mais, segunda tentativa. Dessa vez, não conseguia muito pensar, era tudo doido de mais, só precisava que tudo aquilo parasse, era muita dor, muita solidão, não seria justo continuar daquela maneira. Eu precisava colocar fim em tudo. Minha cabeça rodava, os pensamentos eram como se fossem uma multidão falando ao mesmo tempo, tudo era muito difícil, não sentia graça em nada, não havia perspectiva de nada, só um desejo gritante de parar tudo aquilo, precisava parar.
Se eu pensei na minha mãe? ou nos meus irmãos? Sim! Mas ao mesmo tempo que pensava neles, me sentia ainda mais inútil, mais deprimida, era incapaz de libertá-los, já que não poderia salvá-los, não podia continuar assistindo eles morrendo aos poucos como eu já havia “morrido”.
Mais uma vez, não vou descrever como foi, só que dessa vez, acabei tendo sequelas. Passei alguns dias entre a vida e a morte no hospital.
Agora quero que preste bastante atenção, o motivo pelo o qual estou compartilhando com você minha história, começa exatamente nesse hospital.
Durante 20 dias, perdi o movimento da minha perna, durante 5 dias fiquei internada naquele hospital entre a vida e a morte, tive 5 dias pra ver coisas que eu ainda não tinha visto durante toda a minha vida.
- vi idosos lutando pela vida;
- vi crianças chorando pra irem embora pois não aguentavam mais serem espetadas por injeções;
- vi mães chorando por verem seus filhos doentes, se sentindo incapaz por não conseguir arrancar a dor deles;
- vi médicos e enfermeiros correndo de um lado para o outro, tentando manter a vida de todos aqueles pacientes;
- vi minha mãe dormindo no chão frio, para não me deixar sozinha naquele hospital;
- vi ela chorando por me ver chorando de dor;
- vi ela lutando por mim, mesmo sem saber que o motivo por eu estar naquela situação era por eu mesma ter desistido de mim;
- vi mensagens dos meus irmãos dizendo que estavam com saudade e pedindo pra eu ficar boa logo e ir pra casa;
- vi minha família desesperada, indo me visitar no hospital;
- vi pessoas que nem tinha muito contato e até mesmo outras que nem conhecia e nem me conheciam, fazendo uma campanha de arrecadação de dinheiro pra que eu conseguisse pagar os medicamentos e exames caríssimos que eu precisava.
- vi que na verdade não queria morrer e sim viver.
VI, QUE EU PODIA TER UMA NOVA CHANCE,
VI QUE EU TINHA MOTIVOS PRA ME SENTIR MAL, TINHA MOTIVOS PRA DESISTIR DE TUDO, MAS TAMBÉM TINHA MOTIVO PELO O QUE LUTAR, TINHA COM QUEM CONTAR, MESMO QUE ELES PARECESSEM MAIS FRÁGEIS QUE EU, MAS EU PODIA CONTAR COM ELES E ALI PERCEBI QUE ELES CONTAVAM COMIGO TAMBEM.
Vi, que sozinha seria impossível caminhar, que estava numa escuridão que me sufocava e a vontade de sair de lá era tão grande, que escolhi a forma que a princípio me parecia a melhor opção pra sair de lá, mas ainda bem que pude ver a opção correta a tempo, de forma bastante dolorida, mas em tempo.
Se você que está lendo, nunca pensou dessa forma, ou nunca se sentiu assim, fico feliz por você, pois te garanto que não é nada legal.
Mas se você está pensando assim agora, ou já pensou, saiba que o entendo perfeitamente, sei o quanto é difícil, mas por experiência própria, eu te digo, pode ser mais leve. Há uma saída, há esperança, há razões para insistir em lutar por você, por sua família, por seus sonhos que embora hoje pareçam estar distantes ou quem sabe, estão apagando, mas pode ser diferente.
Hoje tenho 26 anos, estou no meu último ano da faculdade, uma menina estudiosa, com sonhos e mais sonhos, minha mãe, meus irmãos estão todos bem.
Sei que muitas vezes pessoas que conhecem uma historia como essa, se perguntam o que eu fiz com tudo o que fizeram de mim, confesso que a resposta era sempre: ME DESTRUIRAM, ACABARAM COM A MINHA VIDA, ME TRANSFORAMARAM NUM MONSTRO.
Bem, hoje consigo responder isso de forma diferente:
Meu passado não pode ser apagado, as cicatrizes também não, mas o fato é que não importa o que fizeram comigo e sim, o que eu fiz do que fizeram. Recebi uma nova chance de ver além da dor e o que eu consegui ver, embora que na época, parecia longe, eu vi esperança e acreditei num futuro em que eu construiriam pra mim. Ainda não o conquistei por completo, mas até aqui já me aproximei bastante dele.
Há esperança, há saída, há sempre uma nova chance de recomeçar. Não precisa ser tão pesado, compartilhe o fardo com alguém, ela pode te ajudar a carregar. Essa pessoa pode ser sua família, um amigo, um profissional especializado para te ajudar. O importante é se perceber como alguém capaz de lutar primeiramente por você e depois por aqueles que te ama.
Fazer terapia não é para doido, ou para fracos, ou para depressivos, ou para dramáticos, se sim para aqueles que são fortes o suficiente para assumir para si que precisa de ajuda, corajoso o suficiente para lutar por si mesmo.
Depressão não é drama, não é brincadeira, não é motivo para piadas ou motivos de se envergonhar e sim, um problema que requer cuidados, que requer atenção, requer cura.
Não sinto vergonha por compartilhar minha história com você, pra ser sincera, olho pra trás, lembro tudo o que passei e onde cheguei, vejo que o meu passado não chega nem perto do que vivo hoje e isso me da a sensação incrível de ter conseguido.
EU CONSEGUI, EU ESTOU AQUI, EU VENCI, VALEU A PENA ACREDITAR NO AMANHÃ!!!